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sábado, 16 de março de 2013

O Sorriso de Louise


O Sorriso de Louise

            Eu sempre amei Louise, é verdade. Quando nos casamos, ah! Lembro como se fosse ontem (e lá se vão bons nove anos), estávamos apaixonados deveras. O que mais me fascinava na minha bela e jovem esposa, de 19 anos, era seu sorriso encantador. Ela gostava de rir, mostrando dentes muito alvos; mais que isso, era aquele sorriso que envolvia toda a face, contagiando a todos.
            Pois bem, por acaso do destino, foi justamente o belo sorriso de Louise que começou a me causar alguns transtornos. Quinze dias depois do nosso matrimônio, nós brigamos. O motivo? Notei que Louise ria demais, exibia seus belos dentes com frequência. Todos me diziam que ela era por demais simpática; jamais fechou a cara a ninguém, regalava-se de servir ao próximo. Ora, isto era motivo de certo orgulho no início, mas depois começou a me deixar azedo. Morávamos, nesse tempo numa rua movimentada da cidade, e me parecia que todos sorriam para minha esposa, e ela sempre correspondia, não apenas daquela forma peculiar, mas também acenando ou cumprimentando. Enfim, já sem suportar tamanha expansão de alegria, discuti com ela.
            Na verdade, não foi uma briga, porque não houve reciprocidade: eu berrava que ela se desse ao respeito, se preservasse, não falasse com estranhos, e ela... bom, é estranho dizer isso, mas ela só ouvia, calada, chorando – não sei se de vergonha ou medo.  Minha ira não se aplacou; tomei-lhe os pulsos violentamente, olhei no fundo dos seus olhos (lindos olhos pretos!) e, enfim, tive uma ideia. No dia seguinte, nos mudávamos para uma casa de campo, propriedade de meus falecidos pais, que a deixaram a meu irmão, por achar que eu era incapaz e beberrão. Acrescenta-se que eu era o primogênito, e meu irmão, nove anos mais novo. Não precisei pedir permissão a ele para ir lá, tomar conta do que deveria ter sido meu por direito porque meu irmão estava sumido há quase um ano. Nunca mais havia dado notícias. E depois, eu é que sou o irresponsável?
            O fato é que ali, sem o assédio da multidão, podíamos levar uma vida sossegada, finalmente. Louise não gostou do lugar isolado, pude perceber, mas não reclamou. Ela estava imóvel, não sei por quê. A casa para onde fomos era imensa, construída quase que inteiramente de madeira nobre, com um assoalho avermelhado. Levei Louise nos braços – cavalheirismo! – da porta da frente, esbranquiçada e antiga, até o nosso quarto, que ficava no final de um grande corredor todo empoeirado, cheirando a mofo. Conforme eu disse, a casa estava abandonada há quase um ano; nada mais natural do que estar naquelas condições. Crescia mato ao redor, quase eclipsando a entrada e as janelas. Mas, isso era irrelevante; ali eu seria feliz com Louise, como Adão e Eva no Paraíso!
            À tarde do mesmo dia, encontrei Louise deitada na cama, na mesma posição em que a deixara de manhã, depois de me satisfazer de suas carícias e de atos de amor selvagem, bem de acordo com o lugar. Tomei sua cabeça nas mãos e a admirei, fascinado. De olhos semicerrados, ela era, de fato, encantadora. E, por mais de nove anos, estivemos ali, vivendo felizes. Eu, pelo menos, estava plenamente satisfeito daquele viver isolado, no campo, escondido com minha esposa no meio do nosso paraíso particular, longe dos olhos invejosos do resto do mundo.
            Ainda hoje somos um casal inseparável. Louise sorri como nunca agora. Pudera; a morte lhe caiu de forma sublime, acentuando sua beleza angelical. É verdade... houve um contratempo antes de nossa vinda para esta casa de campo. Quando eu tomei-lhe os pulsos na hora daquela terrível, porém indispensável, discussão, ela desviou o rosto, chorando, e tentou se desvencilhar. Meio confuso, eu a soltei; entretanto, mudei de ideia. Ela correu, desesperada, para nosso quarto, mas eu a alcancei quando ela ainda atravessava a porta. Peguei seu pescoço por trás e apertei-o com uma pressão desumana; depois, muito deliberadamente e já um pouco mais calmo, bati a cabeça dela com força contra uma quina da parede, do lado de dentro do quarto.  A testa dela se abriu num canto, do lado direito, e ela tombou perto da cama, sangrando. Depois, vieram fortes convulsões, a que eu assisti, admirado, até que ela expirou e, céus!, ainda esboçava um sorriso!
            Não foi difícil limpar a bagunça e colocar o belo corpo dela numa grande mala de viagem; tive que quebrar-lhe as pernas para que ela coubesse ali, meio dobrada, mas isto foi tarefa simples. Então, na manhã do dia seguinte, parti para a casa de campo. Ao chegar, livrei-me da mala, retirando Louise dela e enchendo-a de pedras, atirando-a em seguida  no rio que ficava atrás da casa. O mesmo rio em que afoguei meu irmão mais novo alguns meses antes, por causa daquelas terras. Sepultei-o entre as árvores ali mesmo e ninguém jamais soube do caso.
Então, tomei minha esposa ensanguentada nos braços e levei-a para nosso novo ninho de amor eterno. Estivemos lá por esses anos todos. O tempo conservou a beleza da minha mulher. Embora a decomposição do corpo tenha tirado algumas de suas graças naturais, conservou e acentuou outras, como seu magnífico sorriso. Sua pele corrompeu-se e retesou os músculos da face, exibindo para sempre seu derradeiro sorriso. Gosto imensamente de pensar assim: o último sorriso de Louise será apenas meu... para sempre.

            

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