Casa Nova
CASA NOVA
O destino manipula as vidas como um
gato brincalhão, que se diverte a embaraçar, desenrolar, atar e romper os
frágeis novelos que lhe caem às mãos. Tive a comprovação disso quando vi o modo
como meu desejo infantil máximo de independência se realizou, há bem pouco
tempo.
Desde criança, órfão de pai – um ébrio
inveterado que faleceu pouco depois do meu nascimento –, eu fui duplamente
mimado por minha mãe, uma vez que era filho único. Eu idealizava já, nessa fase
dourada de ilusões efêmeras, o tempo em que teria minha própria casa, um
emprego, uma esposa... Mas, principalmente, sonhava com os dias em que, todo
orgulhoso, visitaria minha amável mãe em sua nova casa, pois éramos muito
pobres naquele tempo. Contudo, eu sempre prometera a ela que lhe daria uma
moradia digna quando crescesse, mesmo
que isto significasse, na prática, uma simples reforma na nossa antiga casa. De
fato, meus planos se realizaram, por assim dizer, de maneira totalmente
inesperada.
Eu cresci, não “como crescem as
magnólias e os gatos”, mas cresci assim mesmo. Sob a proteção materna, porém
realizando meus próprios esforços titânicos para aprender a ler e escrever,
terminei a escola secundária e consegui um emprego medíocre – por vezes
humilhante – na nossa cidadela subdesenvolvida. Não foi fácil juntar algum
dinheiro, mas, após algumas privações, consegui uma estabilidade sofrível. O campo
amoroso, entretanto, mantinha-se árido e seco para mim, o que, afinal, devia ser
algo absolutamente compreensível: um sujeito casmurro, apático, sério em
demasia... tais características não eram particularmente atraentes aos olhos
femininos da região, ávidos por cifras, mais do que por índoles.
A despeito disso, o tempo passou...
pesada e lentamente.... E o que eu dissera sobre o destino cumpriu-se: consegui
dar uma casa nova à minha mãe. Hoje, sou eu que vivo, sozinho, na nossa antiga
casa. As portas, antes azuis,estão corroídas pelo efeito da umidade e as
paredes encardidas revelam o reboco primitivo em diversas partes. Não me
importo de morar sozinho; li em algum lugar que “o silêncio é um amigo que
nunca trai”. Ademais, sempre que posso vou visitar minha mãe; ela sempre fora
uma mulher de fibra, embora paciente e compreensiva. Merecia do filho uma
morada honrada e eu não hesitei nem por um segundo em usar quase todo o meu
dinheiro para que ela tivesse este direito confirmado.
Ela sempre me recebe com uma alegria
que não se expressa em palavras, mas que eu sinto por todos os meus poros e em
cada terminação nervosa. De fato, eu só lamento que palavras já não sejam uma
linguagem útil para nós agora... Ainda lembro do último beijo que dei nela, no
meio da sua testa tranquila, antes de ela ir para a nova casa: foi instantes
antes de fecharem a tampa do caixão e eu atirar uma rosa branca sobre ele,
sentando-me, em seguida, ao lado do pequeno mausoléu e chorando amargamente
pela sua partida tão prematura.
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