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sexta-feira, 1 de novembro de 2013

Casa Nova

CASA NOVA

            O destino manipula as vidas como um gato brincalhão, que se diverte a embaraçar, desenrolar, atar e romper os frágeis novelos que lhe caem às mãos. Tive a comprovação disso quando vi o modo como meu desejo infantil máximo de independência se realizou, há bem pouco tempo.
            Desde criança, órfão de pai – um ébrio inveterado que faleceu pouco depois do meu nascimento –, eu fui duplamente mimado por minha mãe, uma vez que era filho único. Eu idealizava já, nessa fase dourada de ilusões efêmeras, o tempo em que teria minha própria casa, um emprego, uma esposa... Mas, principalmente, sonhava com os dias em que, todo orgulhoso, visitaria minha amável mãe em sua nova casa, pois éramos muito pobres naquele tempo. Contudo, eu sempre prometera a ela que lhe daria uma moradia digna quando crescesse, mesmo que isto significasse, na prática, uma simples reforma na nossa antiga casa. De fato, meus planos se realizaram, por assim dizer, de maneira totalmente inesperada.
            Eu cresci, não “como crescem as magnólias e os gatos”, mas cresci assim mesmo. Sob a proteção materna, porém realizando meus próprios esforços titânicos para aprender a ler e escrever, terminei a escola secundária e consegui um emprego medíocre – por vezes humilhante – na nossa cidadela subdesenvolvida. Não foi fácil juntar algum dinheiro, mas, após algumas privações, consegui uma estabilidade sofrível. O campo amoroso, entretanto, mantinha-se árido e seco para mim, o que, afinal, devia ser algo absolutamente compreensível: um sujeito casmurro, apático, sério em demasia... tais características não eram particularmente atraentes aos olhos femininos da região, ávidos por cifras, mais do que por índoles.
            A despeito disso, o tempo passou... pesada e lentamente.... E o que eu dissera sobre o destino cumpriu-se: consegui dar uma casa nova à minha mãe. Hoje, sou eu que vivo, sozinho, na nossa antiga casa. As portas, antes azuis,estão corroídas pelo efeito da umidade e as paredes encardidas revelam o reboco primitivo em diversas partes. Não me importo de morar sozinho; li em algum lugar que “o silêncio é um amigo que nunca trai”. Ademais, sempre que posso vou visitar minha mãe; ela sempre fora uma mulher de fibra, embora paciente e compreensiva. Merecia do filho uma morada honrada e eu não hesitei nem por um segundo em usar quase todo o meu dinheiro para que ela tivesse este direito confirmado.

            Ela sempre me recebe com uma alegria que não se expressa em palavras, mas que eu sinto por todos os meus poros e em cada terminação nervosa. De fato, eu só lamento que palavras já não sejam uma linguagem útil para nós agora... Ainda lembro do último beijo que dei nela, no meio da sua testa tranquila, antes de ela ir para a nova casa: foi instantes antes de fecharem a tampa do caixão e eu atirar uma rosa branca sobre ele, sentando-me, em seguida, ao lado do pequeno mausoléu e chorando amargamente pela sua partida tão prematura.

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