O Hibisco e o Jasmim
O Hibisco e o Jasmim
Estava a Borboleta sobrevoando calmamente o jardim numa
fresca manhã de verão, borboleteando seus devaneios de inseto miúdo – mas,
ainda assim, superiores e menos fúteis do que os de muita gente neste mundo –,
quando deparou-se com um pé de Hibisco, que escarnecia de seu vizinho, o
pé de Jasmim.
- Com que então, estás muito contente por teu
perfumezinho vulgar, é isto? – dizia o Hibisco, zombeteiro. – Olha, meu caro,
que te faltam as graças que eu possuo, motivo pelo qual sou frequentemente
visitado pela elite das aves e dos insetos, como esta gentil borboleta que aqui
chega. Olé!
A Borboleta, alheia à situação que se passava, mas
irritada com a presunção do Hibisco, manteve-se suspensa, batendo as asas, a
fim de inteirar-se melhor da discussão.
- Meu caro Hibisco... – começou o Jasmim – bem pouco me
importam tuas graças e virtudes, pois sou um vegetal, tanto quanto tu; não
vejo, portanto, motivo para que te vanglories sobre mim. Não estamos ambos
fixos na mesma terra, regados com a mesma água e ambos florescidos?
- Que disparate! Achas mesmo que és igual a mim? Não
vês que minhas flores escarlates são infinitamente superiores às tuas? Olha a
magnificência do formato, do tamanho e a beleza inata delas! Que são as tuas
florezinhas mirradas e pálidas em comparação a elas?
- Não falo desse tipo de igualdade, amigo Hibisco. Toma
por exemplo os seres humanos! São diferentes entre si, mas também são iguais em
questões biológicas, de laços de sangue...
- Ahhhhh! Bem mostras que além de seres uma planta
miserável, nada sabes sobre os seres humanos! Se soubesses o modo como eles se
dividem em castas, elites, classes, saberias por que é fundamental que sigamos
seu exemplo e criemos nossas próprias esferas de contato!
- Esferas de contato? – o Jasmim espantou-se notavelmente
com semelhante perspectiva. – Pois isto é algo abominável... custo a crer que a
gentil e caridosa senhora que cuida de nós, apesar de sua idade avançada, faça
parte desse “elitismo” de que falas com tanta convicção... Há casos e casos!
- Ingênua planta tu és... Esta velha raquítica que tão
estabanadamente vem aqui todas as manhãs espargir sobre nós gotas mirradas de
água (forte sovina, que tem piedade até de gastar o líquido universal), não faz
isto porque seja boa ou caridosa! Ela o faz por razões de consumado egoísmo,
isso sim! Ter um jardim bonito e cuidado rende elogios ao dono, não às
miseráveis plantas que dele fazem parte. Vede, então, que o amor próprio que
tenho é totalmente justificável.
- Confundes amor próprio com o mesmo narcisismo e
egoísmo que tanto criticas... Tenho bem
pena de ti, pobre Hibisco.
O Hibisco empertigou-se, cheio de si e sentindo-se
ofendido em seu orgulho:
- Guarda teus fingimentos para quem não te conhece,
hipócrita planta! Sou superior e disso não faço segredo. E bem sei que, apesar
de teu moralismo superficial e falsa candura, tens inveja de mim.
A Borboleta, que desde o início deste diálogo nada
havia feito de concreto, a não ser apiedar-se do Jasmim e sentir uma repulsa
exponencial por seu parceiro, o Hibisco, tomou, afinal, uma decisão, e lá foi
pousar - por desaforo à planta de flores
vermelhas - numa flor branca e perfumada
do Jasmim.
Nem bem havia pousado na superfície belissimamente
pálida da flor, foi a Borboleta embriagada pelo delicioso e doce aroma que dali
emanava. Infelizmente, o êxtase do perfume amorteceu seus sentidos a ponto de
impedi-la de aperceber-se de um perigo substancial e imediato. Antes que
pudesse experimentar do néctar da flor, sentiu a Borboleta uma forte compressão
no ventre delicado, seguido de uma dor lancinante, e só então, em pânico, notou
que estava perdida para sempre. Uma aranha de aspecto aterrador havia já
cravado suas quelíceras no pobre inseto, que nenhuma reação pôde
manifestar,além de agitar as fracas asas duas ou três vezes, por meros espasmos
involuntários.
O Hibisco, que a tudo isso assistia, impassível, apenas
manifestou sua opinião, de modo sarcástico, dirigindo-se ao Jasmim:
-Bem, bem... meu orgulho e minha superioridade afastam
alguns indivíduos de mim, mas ninguém jamais poderá dizer que uso de
fingimentos ou que reprimo o que penso. Entretanto, tais indivíduos deveriam
ter consciência de que não é a franqueza o maior defeito de alguém, mas o
fingimento. Teu fingimento, Jasmim, funciona bem com esses pobres idiotas, que
vão a ti, seduzidos por teu perfume e
inocência aparentes. Eu não finjo, e isto me mantém solitário. Não posso dizer
que me arrependo de ser como sou. Podes dizer o mesmo?
A aranha, que a esta altura já havia deglutido toda a
Borboleta, após limpar a boca com a ajuda de suas finas e longas patas
dianteiras, tomou a palavra:
- Permita-me dizer, Hibisco, que tua recusa em me
aceitar em teus ramos foi a maior bênção para mim. Aí, eu já teria morrido de
fome, já que meu alimento tem desprezo por ti... O mesmo não pode ser dito do
Jasmim, que me acalenta e me serve com os melhores e mais saborosos insetos!
O Jasmim, com um riso sinistro e maligno, sussurrou:
- Queres saber por que mantenho a aranha comigo,
Hibisco? – e, sem esperar resposta: - Eu não tolero quando esses insetos vêm
pousar em mim. O segredo de minhas belas flores brancas é justamente a presença
desta caçadora fenomenal, que me limpa de tão desprezíveis criaturas.
A manhã
avança e, enquanto o Hibisco empertiga-se ainda mais, ostentando sua
superioridade (que apenas ele vê dessa forma), o Jasmim recolhe-se em seu
aparente recato. Ao longe surge pelo menos meia dúzia de borboletas azuis que,
vendo a postura intoleravelmente orgulhosa do Hibisco, direcionam-se todas ao
Jasmim...
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